Garimpo de ouro em Serra Pelada (PA), no início da década de 1980
04 de Maio de 2025

A caótica garimpagem de ouro em Serra Pelada.
Serra Pelada é uma região situada na Serra dos Carajás, no sul do estado do Pará, na região Norte do Brasil, é famosa por ter abrigado o maior garimpo aberto já registrado até aquele momento. O garimpo de Serra Pelada atingiu seu pico de atividade entre 1980 e 1983, tornando-se o maior garimpo a céu aberto do mundo. Na época, milhares de garimpeiros buscaram enriquecimento rápido através da extração de ouro no local. As estimativas apontam que Serra pelada recebeu mais de 100 mil trabalhadores ao longo dos seus 12 anos de atividade, que encontraram condições precárias de trabalho, jornadas exaustivas e nem um pouco seguras, e baixo retorno financeiro. Serra Pelada foi oficialmente fechada pelo governo brasileiro no ano de 1992. Inúmeros impactos ambientais foram registrados no local, e a imensa área escavada hoje se encontra preenchida por água, formando um lago de aproximadamente 200 metros de profundidade.

A intensa garimpagem que aconteceu na Serra Pelada teve origem entre 1979 e 1980, quando pepitas de ouro foram encontradas ao acaso em um corpo d´água no interior da Fazenda Três Barras, pertecente ao pequeno agricultor Genésio Ferreira da Silva. Alguns relatos contam que a descoberta foi feita pelo próprio Genésio ou por um vaqueiro que passava pela área, enquanto outras histórias recontam que foi a esposa desse vaqueiro quem observou as pedras pela primeira vez. O que se sabe ao certo é que, após uma análise cuidadosa do material, realizada em Marabá, constatou-se que era, de fato, ouro. A notícia rapidamente se espalhou pela região, dando início, em 1980, às atividades do que ficaria conhecido como o maior garimpo a céu aberto do mundo. Poucos meses após a confirmação, quase 5 mil pessoas já se reuniam na Serra Pelada para a exploração do garimpo.

Curionópolis 1981. Foto: Rudi Bohm.
Devido à exploração do ouro, a região atraiu médicos, enfermeiros, lavradores, engenheiros, motoristas, padres, dentre outros. Com o aumento do número de garimpeiros no local, o governo federal interviu com objetivos políticos e econômicos. Assim foram instalados os órgãos como polícias federal, receita federal, correios e a caixa econômica federal. Para evitar confusão, foi proibida a entrada de mulheres e bebidas alcoólicas no local. É importante notar, aqui, que o Brasil da época vivia sob uma ditadura militar, e um interventor federal foi nomeado para supervisionar os trabalhos no local. Esse inverventor foi Sebastião Curió Rodrigues de Moura, mais conhecido como major Curió. A venda do ouro deveria, em tese, ser feita nos guichês da Caixa Econômica Federal que passaram a existir na região após a atuação do governo federal. No entanto, sabe-se que desde o loteamento das áreas até a venda dos minérios não necessariamente eram feitas de maneira regular, havendo uma série de denúncias de desvio de ouro nesse processo. Com o grande número de pessoas em Serra Pelada, os familiares dos trabalhadores começaram a se assentar a cerca de 30km do local. Por consequência, na década de 1980, foi fundada a cidade de Curionópolis, a qual foi denominada em referência ao major Sebestião Curió.

"Serra Pelada - A Lenda da Montanha de Ouro" de Victor Lopes - 2013/Disponível no Youtube.
A Serra Pelada foi, como dito anteriormente, o maior garimpo a céu aberto do mundo. A área aberta para a exploração era de 24 mil metros quadrados, e os barrancos tinham cerca de 150 metros de altura. O trabalho de abertura foi todo realizado manualmente pelas milhares de pessoas que se deslocaram até a região na esperança de enriquecerem com o ouro escondido no interior do solo. A destribuição do ouro na Serra Pelada não era regular nem homogênea, o que tornou o processo de garimpagem ainda mais intenso e generalizado em termos de área abrangida. A Serra Pelada passou a ser dividia em diferentes lotes, ou barrancos, onde trabalhava um grupo de garimpeiros com a supervisão de um indivíduo. Esses trabalhadores eram dividos hierarquicamente, e cada um tinha sua função: indicar o local de escavação, escavar a área, subir com os sacos de terra removida em escadas altíssimas e sem nenhum tipo de equipamento de segurança e a realização da garimpagem propriamente dita, com o uso de peneiras (ou bateias).

Trabalhadores carregando sacos de terra.
A descoberta de ouro na Serra Pelada despertou a esperança de melhoria de vida em milhares de pessoas, que viram na garimpagem uma oportunidade para, em tese, enriquecerem. Os migrantes chegaram aos milhares no território paraense, oriundos de todas as partes do país, mais precisamente das regiões Norte e Nordeste. As estimativas indicam que, no período mais próspero, mais de 100 mil pessoas trabalhavam na Serra Pelada. O ambiente de trabalho era precário e improvisado, o que resultou em condições perigosas para os garimpeiros. Eles sogriam com o calor intenso, escadas comprometidas, barrancos sem medidas de segurança e contaminações pelo ar, barro e mercúrio. Infelizmente, essas condições levaram à ocorrência de diversas mortes. A vida dos trabalhadores era difícil. Apesar de existir uma organização e comércio florescendo na região, a maioria dos funcionários mal conseguia sobreviver. Eles não tinham acesso a uma cama decente e dormiam em galpões lotados, usando apenas redes. Os garimpeiros acordavam já de madrugada, por volta das 04 horas, e trabalhavam até às 20 horas. A comida era básica, geralmente consistindo apenas de carne com farinha. Eles guardavam suas poucas posses em sacolas de pano. Dentro da cava, o espaço era apertado e os trabalhadores se amontoavam nos diversos barrancos e escadarias do garimpo. Tudo isso levou Serra Pelada a ser conhecida como o “formigueiro humano”.

Aspecto da exploração de Serra Pelada, pelo fotógrafo Sebastião Salgado.
O trabalho era realizado em jornadas exaustivas e em quaisquer condições atmosféricas, mesmo sob o sol escaldante e calor intenso, que são característicos do clima local. Lembremos que é uma região de clima equatorial, marcado pelo calor e pla umidade elevada, que tende a deixar o tempo abafado. Os barrancos não eram estáveis, e os deslizamentos de terra e desmoronamento de blocos se tornavam fatais. Além disso, os garimpeiros lidavam com substâncias tóxicas e perigosas ao organismo humano, como o mercúrio. Bancos, correios, postos de saúde e um minímo de infraestrutura urbana foram instaladas no local para os trabalhadores de Serra Pelada. No entanto, nota-se que o rígido controle que se estabeleceu na década de 1980 proibia a entrada de mulheres e de bebidas alcoólicas, e as famílias dos garimpeiros ficavam em uma vila separada (Curionópolis). Havia muitos registros de brigas e conflitos internos entre os trabalhadores, e as mortes - seja por conta desses confrontos, seja por motivos de trabalho - não eram incomuns.

É importante mencionar, ainda, o espisódio conhecido como Massacre da Ponte de Marabá, ou Massacre da Serra Pelada, que aconteceu em 1987 em retaliação a manifestações organizadas pelos trabalhadores do garimpo em busca dos seus direitos e de melhorares condições de trabalho. Cerca de 300 garimpeiros seguiram para Marabá (distante 160 quilômetros de Serra Pelada) e interditaram a ponte rodoferroviária sobre o rio Tocantins, por onde passa o trem que transporta minério produzido na região de Carajás para o porto de São Luís, no Maranhão. A repressão policial foi violenta. Três garimpeiros foram mortos, segundo dados da própria Polícia Militar do Pará. Mas, de acordo com os garimpeiros, os corpos de mais de 60 pessoas nunca foram encontrados. As vítimas teriam sido jogadas da ponte, de uma altura de 70 metros, para dentro do rio Tocantins.

Divisão do trabalho em Serra Pelada.
No Garimpo o terreno era dividido em barrancos de 2 × 3 metros, que foram conquistados pela força a princípio, mas posteriormente foram sorteados. Sob a supervisão dos proprietários de cada barranco estava o responsável pelas ordens, conhecido como “meia-praça”, que determinava onde escavar e recebia uma pequena comissão pelo ouro encontrado. Os demais trabalhadores eram chamados de: ▬ Formiga: Trabalhadores que escavavam o solo, e após encontrar uma rocha, enchiam um saco com aproximadamente 35 kg de terra, e subiam e desciam às escadas improvisadas, chamadas de “adeus mamãe”. Seu pagamento era proporcional ao peso carregado. ▬ Cavador: Era uma das funções mais importantes, atrás apenas do dono dos barrancos e do “meia praça”. Sua função era martelar as rochas atrás de pepitas, apesar de depender muito da sorte. Alguns encontraram pepitas do tamanho de uma bola de golfe. ▬ Apontador: Era a pessoa encarregada de anotar o número de sacos retirados pelos carregadores de terra. ▬ Apurador: Eram as pessoas encarregadas da lavagem, eles escorriam a terra por uma calha coberta de mercúrio líquido. Uma liga era formada pela união da substância com o ouro, que era levada para bateia para separar a liga da terra, após isso, o restante era esquentado para evaporar o mercúrio e sobrar somente o ouro.

A cratera aberta pelo garimpo em Serra Pelada deu origem a um profundo lago.
A garimpagem na Serra Pelada resultou na extração de mais de 40 toneladas de ouro do local em um curto período de pouco mais de uma década. Por se tratar de um recurso natural finito, aos poucos as reservas do mineral foram se exaurindo, afetando a produtividade das lavras. A exploração na Serra Pelada alterou drasticamente a paisagem natural da área. Onde havia, antes, um elevado, restou uma imensa cratera onde se formou um lago com quase 200 metros de profundidade. A abertura de áreas e a atividade exploratória propriamente ditas foram altamente prejudiciais para a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio ambiental no bioma amazônico, afetando também os solos e os corpos hídricos.

O formigueiro humano em Serra Pelada.
As condições precárias de trabalho, as jornadas exaustivas, as substâncias tóxicas que garimpeiros necessitavam manusear e as doenças que se proliferam resultaram em sérios problemas de saúde para os trabalhadores de Serra Pelada que persistem até os dias de hoje. Muitos trabalhadores não sobreviveram a essas condições e aos acidentes que eram recorrentes. Não somente isso, mas parte daqueles que sonhavam com uma nova vida após o garimpo e se mudaram para região da Serra Pelada não conseguiram mudar suas realidades, econtrando-se em situação de pobreza e vulnerabilidade social. As atividades em Serra Pelada foram encerradas oficialmente no ano de 1992, sob o governo do então presidentes Fernando Collor de Mello. Com o fechamento da área, a Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, recebeu uma indenização de 59 milhões de reais. Isso aconteceu porque a empresa nacional detinha os direitos da exploração do ouro e as jazidas acaram sendo ocupadas pelos garimpeiros. No final da década de 1990, ex-trabalhadores de Serra Pelada entraram com um pedido de 120 milhões de reais ao governo brasileiro como pagamento pela parte do ouro que foi supostamente retido pelo banco com a justificativa de conter impurezas.
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